22 de novembro de 2012

Gabriela Santarosa

Partida



Este bilhete, carta, ou seja lá como queira chamar um pedaço de papel rabiscado, contém em cada linha vazia toda a dor que jorra do meu peito. Eu poderia te escrever sobre as entranhas rasgadas, o sangue escorrido no carpete, o choro desesperado de minhas artérias. Mas meus dedos se negam a frieza. Minhas palavras se recusam à desistência. Eu poderia inventar neste papel histórias mirabolantes, dizer casualmente e impessoalmente que sua chegada não me causa taquicardia. Deixaria o papel dobrado em cima de sua mesa e partiria sem deixar nada para trás além de um coração doído.
Havia lido em algum lugar que era chegadas e partidas. Pois isso é o que sempre fui. Sentia-me uma estação. Talvez algo menor, um ponto de ônibus. Eu não marcava ninguém, mas todos que passavam deixavam suas pegadas dentro de mim. Tua diferença é que não partiu inteiramente como todos os outros. Tu vens, e me marca, rasga, parte ao meio. E vais embora. Eu quis te marcar, cravar-me em tua pele e perder-me em teu furacão. Mas não me permites. Tu me atira ao chão e foge dos meus afagos. Nega meu afeto com um aperto de mão que mais parece uma adaga nas vísceras. 
Perdoe-me por não ser poeta nestas mal traçadas linhas repletas de pesar. Pesar de tristeza, de peso, de todos os significados que contém nas palavras e entrelinhas. Eu não sei falar sobre o escarro. Enfiar o dedo na garganta e vomitar gosma verde com toda a crueldade da alma. Não fui feita para fazer um buraco no peito e espremer o coração até esvair a última gota de sonho. No fundo, não passo de uma filha da puta que procura a beleza em todas as rachaduras. Eu engulo tristezas e guardo-as numa espécie de caixa de Pandora dentro do peito. Por vezes, tranco-me no quarto e faço da solidão minha companhia, mas não as deixo fugir. E não serás tu que libertará toda a crueldade com gosto de fel que a vida me obrigara a mastigar. 
Eu não falo sobre o amor por ele estar implícito em tanto sofrer. Não escrevo que te amo pois sabes que meu coração bate junto do teu. Não ponho nesta carta teu nome ao lado da palavra carinho pois senão rasgarei estas palavras e te esperarei entre as poesias que dividimos em silêncio. Deveria ter apenas dito-lhe um adeus somado ao não-me-procure jamais. Avisá-lo como mulher adulta, mas tu bem sabes minha alma de menina. Derreto entre murmúrios e estendo esta carta para que apareça na porta à tempo de me impedir.
Essa não é uma carta de despedida, ouso admitir. É um desabafo desesperado para que você, por favor, jamais desista de mim. Irromperei por esta porta e esperarei que corra pela rua até que me encontre e me arraste com você perguntando o que diabos eu tenho na cabeça, enquanto engulo a vontade de chorar aliviada por ter me buscado. Só quis causar-lhe o medo que tenho todas as manhãs quando me vejo sem você e pergunto-me se voltará até o anoitecer. Vais nomear-me louca, disso não tenho a menor dúvida. Talvez até pense realmente em deixar-me. Mas não o fará. Estás tão enredado em minhas teias quanto eu nas tuas.
Peço desde já perdão, meu amor, por tamanha prova à tua sanidade. 
Não te esqueças: O pulsar do coração se acelera quando a chegada se aproxima.
Te espero às 19h em ponto para o jantar.
Gabriela Santarosa

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