23 de maio de 2016

Vinicius de Moraes

Quem pagará o enterro e as flores se eu me morrer de amores? 
Quem, dentre amigos, tão amigo para estar no caixão comigo? 
Quem, em meio ao funeral dirá de mim: “Nunca fez mal…” Quem bêbedo, chorará em voz alta de não me ter trazido nada? 
Quem virá despetalar pétalas no meu túmulo de poeta? 
Quem jogará timidamente na terra um grão de semente? 
Quem elevará o olhar covarde até a estrela da tarde? 
Quem me dirá palavras mágicas capazes de empalidecer o mármore? 
Quem, oculta em véus escuros se crucificará nos muros? 
Quem, macerada de desgosto Sorrirá: – Rei morto, rei posto… Quantas, debruçadas sobre o báratro sentirão as dores do parto? 
Qual a que, branca de receio tocará o botão do seio? 
Quem, louca, se jogará de bruços a soluçar tantos soluços que há de despertar receios? Quantos, os maxilares contraídos o sangue a pulsar nas cicatrizes dirão: “Foi um doido amigo…” Quem, criança olhando a terra ao ver movimentar-se um verme observará um ar de critério? 
Quem, em circunstância oficial há de propor meu pedestal?
 Quais os que, vindos da montanha terão circunspecção tamanha que eu hei de rir branco de cal? 
Qual a que, o rosto sulcado de vento lançará um punhado de sal na minha cova de cimento? 
Quem cantará canções de amigo no dia do meu funeral?
 Qual a que não estará presente por motivo circunstancial? 
Quem cravará no seio duro uma lâmina enferrujada? 
Quem, em seu verbo inconsútil há de orar: “Deus o tenha em sua guarda.” Qual o amigo que a sós consigo pensará: “Não há de ser nada…” Quem será a estranha figura a um tronco de árvore encostada com um olhar frio e um ar de dúvida? 
Quem se abraçará comigo que terá de ser arrancada? 
Quem vai pagar o enterro e as flores se eu me morrer de amores?
— Vinicius de Moraes.

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