4 de janeiro de 2013
Martha Medeiros
Pode invadir ou chegar com delicadeza, mas não tão devagar que me faça dormir.
Não grite comigo, tenho o péssimo hábito de revidar.
Acordo pela manhã com ótimo humor, mas permita que eu escove os dentes primeiro.
Toque muito em mim, principalmente nos cabelos e minta sobre a minha nocauteante
beleza. Tenha vida própria, me faça sentir saudades, conte umas coisas que me façam rir,
mas não conte piadas, nem seja preconceituoso, não perca tempo cultivando este tipo de
herança de seus pais.
Viaje antes de me conhecer, sofra antes de mim para reconhecer-me um porto, um
albergue da juventude.
Eu saio em conta, você não gastará muito comigo.
Acredite nas verdades que digo e nas mentiras, elas serão raras e sempre por uma boa
causa.
Respeite meu choro, me deixe sozinha, só volte quando eu chamar e, não me obedeça
sempre que eu também gosto de ser contrariada (então fique comigo quando eu chorar,
combinado?).
Seja mais forte que eu e menos altruísta.
Não se vista tão bem, gosto de camisas pra fora da calça, gosto de braços, gosto de pernas
e muito de pescoço.
Reverenciarei tudo em você que estiver a meu gosto, boca, cabelo, os pelos no peito e um
joelho esfolado.
Você tem que se esfolar às vezes, mesmo na sua idade.
Leia, escolha seus próprios livros, releia-os. Odeie a vida doméstica e os agitos noturnos.
Seja um pouco caseiro e um pouco da vida, não de boate que isto é coisa de gente triste.
Não seja escravo da televisão, nem xiíta contra.
Nem escravo meu, nem filho meu, nem meu pai.
Invente um papel pra você que ainda não tenha sido preenchido e o inverta às vezes, me
enlouqueça uma vez por mês mas me faça uma louca boa, uma louca que ache graça em
tudo que rime com louca: loba, boba, rouca, boca. Goste de música e de sexo, goste de um
esporte não muito banal.
Não invente de querer muitos filhos, me carregar pra a missa, apresentar sua família, isso
a gente vê depois, se calhar.
Deixe eu dirigir seu carro aquele carro que você adora.
Quero ver você nervoso, inquieto, olhe para outras mulheres, tenha amigos e digam
muitas bobagens juntos.
Não me conte seus segredos, me faça massagem nas costas.
Não fume, beba, chore, eleja algumas contravenções, me rapte. Se nada disso funcionar,
experimente me amar.
" — (Martha Medeiros - Cartas extraviadas e outros poemas)
Guimarães Rosa
"Vem de longe, vem no escuro, brota que nem mato que dispensa cuidado e cresce com a mais remota chuva. Vem de dentro e fundo e com urgência. Amor vem de amor. Que não cabe, mas assim mesmo a gente guarda. A gente empurra, dobra, faz força, deixa amassado num canto, no peito, no escuro, dentro, ou larga pegando sereno. Amor vem de amor. Vem do pedaço mais feio, do mais sem palavra, do triste, vem de mãos estendidas. É tecido desfeito pelo tempo, amarelecido pelo tempo, pelo cheiro da gaveta fechada, pelo riscado do sol na madeira. Amor vem de amor. Vem de coisa que arrebata, vira chão, terra, cisco, resto, rastro, coisa para sempre varrida. É delicadeza viva forte violenta. Que faz doer, partir, deixar caído. Amor vem de amor. E dói bonito! Cheio de sabor."
Guimarães Rosa
Gabito Nunes
"Me diz alguma coisa, vai. Me fala tudo aquilo que eu ando louco pra ouvir da sua boca. Sussurra, então. Ou me ensina a receptar telepatia. Porque eu já estourei minha cota de intuição. Diz que me adora, que gosta de mim, que sente saudades minhas e uma vontade insana de me ver em plena quarta-feira. Sei que não muda nada, mas eu preciso ouvir."
Gabito Nunes
Manuel Bandeira
"Beijo pouco, falo menos ainda.
Mas invento palavras
que traduzem a ternura mais funda
E mais cotidiana.
inventei, por exemplo, o verbo teadorar.
Intransitivo
Teadoro, Teodora."
Mas invento palavras
que traduzem a ternura mais funda
E mais cotidiana.
inventei, por exemplo, o verbo teadorar.
Intransitivo
Teadoro, Teodora."
Manuel Bandeira em “Neologismo” (via floresinexatas)