Sou partida em duas.
Um lado contém minha exuberância, minha petulância, e etc.
Meu outro lado costuma ficar à espreita para emboscar o outro, que é mais puro, mais profundo e melhor.
Ninguém conhece esse meu lado melhor, e é por isso que muita
gente não me suporta.
Ah, eu posso ser uma palhaça, engraçada por uma tarde, mas depois disso todo mundo se enche de mim por um mês.
Na verdade, sou aquilo que um filme romântico representa para um pensador profundo — uma simples diversão, um interlúdio cômico, algo a ser logo esquecido: que não é ruim, mas que particularmente não é nada bom.
Odeio ter que dizer isso, mas meu lado mais leve, mais superficial, sempre vai tirar desvantagem do lado mais profundo, e com isso vencerá sempre.
Ninguém pode imaginar quantas vezes eu já tentei empurrar para longe esse meu lado superficial, derrubá-la, escondê-la.
Mas isso não funciona, e sei por quê.
Tenho medo de que as pessoas que me conhecem descubram que tenho outro lado, um lado melhor e mais bonito.
Tenho medo de zombarem de mim, de pensarem que sou ridícula e sentimental, e de não me levarem a sério.
Estou acostumada a não ser levada a sério, mas somente o meu lado leve consegue lidar com isso; o meu lado mais profundo é fraco demais.
Se eu forçar o meu lado bom e sensível a aparecer por 15 minutos, ela se fecha como um marisco no momento em que é chamada a falar, e deixa o
meu lado numero um dizer o que eu sinto ou até mesmo um texto.
E antes que eu perceba ela desapareceu.
Assim, esse meu lado nunca é visto acompanhado.
Ele nunca aparece, ainda que quase sempre assuma o palco quando estou sozinha.
Sou exatamente como gostaria de ser, como sou…
por dentro […] Sou guiada pelo meu lado puro, o de dentro, mas por fora sou apenas um animal preso, forçando a corda à qual está amarrado.
[…] Uma voz dentro de mim soluça: “Veja só, foi nisso que você se transformou.
Está rodeada por opiniões negativas, olhos desanimados e rostos zombeteiros, pessoas que não gostam de você, e tudo porque não escuta o
conselho da tua parte melhor.”
Acredite, eu gostaria de escutar, mas não dá certo, porque, se eu ficar quieta e séria, todo mundo acha que estou representando outro papel
e tenho de me salvar com uma piada; nem estou falando
da minha família, que presume que estou doente,
me enche de aspirina e sedativos, sente meu pescoço e
minha testa para ver se estou com febre e me critica por
estar mal humorada, até eu não aguentar mais,
porque quando todo mundo começa a me chatear,
fico irritada, e depois triste, a parte má do lado de fora e
a boa do lado de dentro, e tento achar um modo de
me transformar no que poderia ser e no que gostaria de ser se… se não houvesse mais ninguém no mundo.
— ÚLTIMA VEZ QUE ANNE FRANK ESCREVEU EM SEU DIÁRIO.
(via reflorejo)
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