Recomeço
O café está péssimo. Não está quente o suficiente, nem forte o bastante. Era o terceiro só daquela manhã. Eu estava nervosa, obviamente, fazia anos que não via minhas próprias palavras, mas a nova agenda merecia uns rabiscos. Voltar a escrever é como voltar a sentir durante tanto tempo sem sentir. É listar o necessário em meio a tantas palavras-chaves que aparecem, e reaparecem. É voltar a notar tudo a sua volta. Sentar e ver o vento passar, e com ele ver sentimentos passarem. É perceber o fim de eventos e o recomeço deles. Voltar a escrever é como voltar a respirar durante tanto tempo sem respirar. É saber que o cair da folha não é somente o cair desta, mas o fim de uma estação e o início de outra. É reparar as mudanças e assumir a existência das máscaras. É notar a falsidade na fala, a mentira nas promessas. É ver a hipocrisia, e se revoltar com ela. Escrever é mais ou menos isso, revoltar-se com o mundo. Essa semana eu vi no jornal uma declaração do Governador de Belo Horizonte afirmando ser necessário diminuir a verba da educação para terminar todas as obras que são necessárias para copa, DIMINUIR EDUCAÇÃO E AUMENTAR OBRAS PARA A COPA. Escrever é isso, em um país que já não possui educação, diminuir esta ainda mais. Escrever é contar mentiras com tom de verdade. Escrever é ver amor aonde não há. Mas antes de iniciar a peça, preciso do quarto café.
Moniz Caldas
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